quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

TERRAMOTO DE 1755


SISMO DE 1755





Lisboa, 1 de Novembro de 1755

“No primeiro dia de Novembro de 1755, um sábado, dia de Todos os Santos, pelas 9 horas e 40 minutos da manhã, Lisboa foi sacudida por um terramoto de extrema violência. Em poucos minutos, a cidade foi revolvilda; a seguir tornou-se pasto de um incêndio que durou seis dias. Ao fim, não restava grande coisa desta capital que vimos desenvolver-se durante seis séculos. A cidade de que se vangloriara de ser a mais rica do Ocidente era agora «como um deserto da Arábia».

Nunca catástrofe semelhante tinha caído, ao longo da história conhecida, sobre uma cidade cuja população se elevava a um quarto de milhão de habitantes. O mundo inteiro ficou profundamente impressionado, a grande desgraça que acontecia a Portugal foi assunto de especulações científicas e metafísicas, inspirou os filósofos e os poetas e alimentou toda uma literatura de reflexão e sensação. O seu alcance foi considerável: um vento de terror sacudiu as teorias optimistas que se forjavam na Europa, e Voltaire, depois do seu poema sobre Le Désastre de Lisbonne (1756), dirigido aos «philosophes trompés qui criez tout est bien», escrevia Candide ou l'optimisme.” (França, 1987)

O grande sismo de 1755, que é considerado por vários autores o maior sismo de sempre (é-lhe atribuída uma magnitude próxima de 9), teve o seu epicentro próximo do Banco de Gorringe, estrutura situada a SW do território, a cerca de 200 km de Lisboa. Por este motivo se explica que os seus efeitos se tenham feito sentir em Marrocos com a mesma violência com que foram sentidos em Portugal. Contudo, os seus efeitos foram sentidos muito mais longe: na Europa do norte (Finlândia, Escócia, Irlanda, Bélgica, Holanda), no norte de Itália, na Catalunha, no sul de França, na Suiça, nos Açores, na Madeira, nas costas do Brasil e até nas Antilhas. Segundo Pereira de Sousa, «foi o mais extenso que a ciência jamais registou».

Lisboa já tinha sofrido muitos tremores de terra. Enumeram-se oito durante o século XIV, cinco durante o século XVI (entre os quais os de 1531 - 1500 casas destruídas, e de 1597 - 3 ruas desaparecidas), e três no decorrer do século XVII. No século XVIII já se tinham sentido tremores de terra em Lisboa, em 1724 e em 1750, no próprio dia da morte de D. João V. Quando o sismo se deu, a cidade não estava preparada para o abalo. Desde 1750 que não se detectava qualquer actividade sísmica (existem relatos contraditórios - um manuscrito da época afirma que desde o dia da morte de D. João V, "a terra nunca mais deixou de tremer, como ensaiando-se para o que sucedeu em Sábado 1 de Novembro" - França, 1987).

Leia-se a descrição do fenómeno, seguindo dois testemunhos contemporâneos (Moreira de Mendonça, 1758):

« A manhã do 1º de Novembro anunciava-se calma e quente, na continuação dos belos dias de fins de Outubro: a temperatura era de 17,5 graus. O céu estava sem nuvens, brilhava o Sol; um vento ligeiro soprava na direcção nordeste. Pelas 9 horas e 40 minutos, depois de um grande ruído subterrâneo que aterrorizou toda a gente, a terra teve um primeiro abalo, vertical, depressa seguido por outro, horizontal, no sentido norte-sul. Os dois abalos não duraram mais de minuto e meio, mas, depois de um minuto de intervalo, um novo abalo, mais violento, prolongou-se durante dois minutos e meio, e logo um terceiro durou mais três minutos. Entre o segundo e terceiro abalos houve ainda um minuto de intervalo. Durante estes nove minutos, o rumor subterrâneo foi ouvido sem interrupção. O céu ficou escurecido pelos gases sulfúricos exalados pela terra (notaram-se fendas compridas e estreitas nas ruas) e sobretudo pela poeira, que tornava a atmosfera irrespirável. Ao mesmo tempo as águas retiraram, deixando ver o leito do rio - para se precipitem em seguida, em enormes vagas, que varreram o Terreiro do Paço e as ruas e os terrenos próximos das margens. O capitão de um barco inglês ancorado no meio do Tejo contou, numa carta dirigida ao seu armador, como viu a água elevar-se e precipitar-se de 16 pés de altura, de três vezes seguidas, em cinco minutos. Pelas 11 horas, um novo tremor de terra fez ainda cair alguns edifícios.

Em seguida, houve um incêndio que durou cinco a seis dias, e que completou a obra do terramoto. Foi o fogo, de resto, o causador da maior parte dos prejuízos: «se a cidade o não tivesse sofrido, a sua ruína teria sido rapidamente reparada», escreve uma testemunha da catástrofe.»

Leia-se agora uma descrição mais "científica", baseada também em testemunhos contemporâneos:

«As igrejas estavam cheias quando, às 9,40h, se ouviu um ronco subterrâneo logo seguido por um abalo. As vibrações eram rápidas mas durante os primeiros cinco segundos, não alarmantes. A partir de então o nível de vibração aumentou bastante causando logo danos nos edifícios. Depois de uma pequena pausa, o movimento recomeçou menos rápido mas muito mais violento. Algumas testemunhas oculares referem que as casas abanavam como carruagens a passar em grande velocidade sobre uma calçada cheia de pedras. Esta parte do abalo que durou dois a três minutos fez colapsar muitas casas, igrejas e edifícios públicos. As tapeçarias a cair sobre candeeiros ou velas nas igrejas devem ter originado os variados incêndios que logo eclodiram por toda a baixa de Lisboa, e que vieram a transformar-se em fogo violento que grassou durante seis dias. Aos já elevados danos materiais e humanos provocados pelo colapso das construções é de adicionar muitas vítimas deste incêndio.

Às 10,00 horas sentiu-se uma forte réplica que alguns dizem ter sido mais violenta que o primeiro choque mas menos prolongado. Um terceiro choque, já mais suave, sentiu-se às 12,00 horas.

Cerca também das 10,00 horas, coincidindo com a primeira réplica, as vagas de um tsunami gerado aquando do choque das 9,40 horas, chegavam a Lisboa. As águas do Tejo desceram inicialmente, levando consigo os barcos ancorados junto ao cais. Em seguida, começaram a subir de nível, galgaram as paredes do cais e avançaram pela Baixa de Lisboa trazendo um mar de espuma e fazendo um ruído tremendo. Esta onda, avaliada em 15 metros de altura, entrou pela baixa mais de 500 metros. Quando o nível das águas regressou ao seu normal deixou a terra lavada. Muitos dos sobreviventes das casas colapsadas não puderam escapar às ondas do maremoto.

O tsunami sentiu-se não só nas costas portuguesas (no Algarve as ondas chegaram a atingir uma altura de 30 metros) mas também ao sudoeste de Espanha, norte de África, nas Ilhas Britânicas e na Holanda. Em Creston Ferry, perto de Plymouth (Inglaterra), as águas subiram às 16,00 horas: dois barcos que estavam a seco a metro e meio da água, ficaram "afundados" em lama. Demorou cerca de 8 minutos para a água voltar ao seu normal e para os barcos voltarem a flutuar. Também nas costas do continente americano o tsunami se fez sentir. Assim, em Antígua, a 6000 km de Lisboa, a primeira onda do tsunami chegou cerca de 10 horas depois (19,30h, hora de Lisboa). Aqui as variações do nível das águas sentiram-se durante 2 horas e meia, tendo a onda mais alta cerca de 3,50m.

Perto da Alfândega de Lisboa, um molhe construído com grandes blocos de mármore serviu de abrigo a alguns sobreviventes do primeiro choque. Como a primeira réplica e o tsunami ocorreram ao mesmo tempo o molhe afundou-se com a enorme multidão em cima dele. Pequenas embarcações também foram "chupadas". Dias depois, um exame ao local revelou que não havia o mais pequeno vestígio do molhe, barco ou pessoas. Isto é o chamado fenómeno de liquefacção de materiais lodosos e argilosos.

A distâncias superiores a 1000 km as ondas sísmicas embalaram as águas de lagos, rios e portos, de uma maneira rítmica. Observou-se isto na Suiça, Inglaterra, Escócia, Finlândia e Suécia. Na Escócia, a 2000 km de distância, as águas do lago Lamond oscilaram com amplitudes de mais de 60 cm durante mais de hora e meia. A 3000 km, no rio Dal a norte de Estocolmo, ainda se fizeram sentir estas oscilações.»

 O número total de vítimas deste sismo cifra-se entre as 40000 e as 80000 pessoas. Só em Lisboa, pensa-se que dos 200000 habitantes da época, 20000 terão morrido. Das 20000 casas existentes, apenas 3000 podiam ser usadas a seguir ao sismo. Totalmente destruídos ou severamente danificados contam-se 32 igrejas, 60 capelas, 31 mosteiros, 15 conventos e 53 palácios.

Os danos no sul de Portugal e em Marrocos foram também grandes: Faro ficou totalmente em ruínas sendo alta a percentagem de população morta. O mesmo sucedeu em outras povoações algarvias: No sul de Espanha também houve grandes danos, se bem que não tão catastróficos.

Para o norte de Lisboa as intensidades sentidas atenuaram-se mais rapidamente. Em Coimbra, por exemplo, não se registaram danos sérios. Contudo na Corunha, a 800 km do epicentro, algumas chaminés altas tombaram, embora a população não se tenha apercebido da vibração.

O grau de perceptibilidade deste sismo foi cerca de 2500 km.

Existem referências históricas deste sismo não só em Portugal, como em Espanha, França, Inglaterra e Alemanha: Moreira de Mendonça (1758), Pereira de Sousa (1919), Martínez Solares (2001), Levret (1991), Reid (1914), por exemplo.

O estudo das informações contidas nas descrições históricas da época poderão contribuir para um melhor conhecimento do comportamento das estruturas e da sismicidade da Península Ibérica.


Referências

França, José Augusto, 1987. Lisboa Pombalina e o Iluminismo. Bertrand Editora.

Levret, A. (1991). The Effects of the November 1, 1755 Lisbon Earthquake in Morocco. Tectonophysics, 193, pp 83-94.

Martínez Solares, J.M., 2001. Los efectos en España del terremoto de Lisboa (1 de noviembre de 1755), Monografía núm 19, Dirección General del Instituto Geográfico Nacional, Espanha.

Moreira de Mendonça, J.J., 1758. Historia Universal dos Terramotos. Lisboa.

Pereira de Sousa, F.L., 1919-1932. O Terramoto do 1º de Novembro de 1755 em Portugal e um Estudo Demográfico. Serviços Geológicos, 4 vols, Lisboa.

Reid, H. F., (1914). The Lisbon earthquake of November 1, 1755. Bull. Seism. Soc. Am., 4, 53-80.